"Certo número de acções brilhantes, que não teriam sido notadas num simples soldado, deram-me fama em Roma e uma espécie de glórias no exército. Porém a maior parte de minhas pretensas façanhas não passou de simples bravatas inúteis. Nelas descubro hoje, com alguma vergonha, um desejo baixo de agradar a todo o custo e de atrair a atenção sobre mim, tudo isso de mistura com a exaltação quase sagrada de que te falava há pouco. Foi assim que, num dia de Outono, atravessei a cavalo o Danúbio engrossado pelas chuvas, carregado com o pesado equipamento dos soldados batavos. Nesse feito de armas, se assim se lhe pode chamar, minha montaria teve mais mérito do que eu. Contudo, esse período de loucuras heróicas ensinou-me a distinguir os diversos aspectos da coragem. A bravura que eu teria desejado possuir deveria ser fria, indiferente, isenta de toda a excitação física e impassível como a equanimidade de um deus. Esta, não posso vangloriar-me de jamais a ter atingido. A contrafacção de que me utilizei mais tarde, não era, nos meus dias maus, senão uma forma cínica de indiferença pela vida; nos bons, apenas o sentimento de dever a quem me aferrava. Mas por pouco que o perigo durasse, bem depressa o cinismo ou o sentimento do dever cediam lugar a um delírio de intrepidez, espécie de estranho orgasmo do homem unido a seu destino."
"Memórias de Adriano", Marguerite Yourcenar
"Memórias de Adriano", Marguerite Yourcenar
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